Um blog de Cultura Gastronômica e Cultura em lato senso. Um pouco das minhas paixões:cozinha, livros e arte.Fruto de pesquisas acadêmicas, de pesquisas diletantes e de muito prazer.
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quarta-feira, 27 de agosto de 2014
domingo, 6 de maio de 2012
Temporada da Lagosta
De acordo com o IBAMA, o período de defeso da lagosta vai até o próximo dia 21 de maio. O defeso é o período no qual a pesca é proibida porque é exatamente nesse período que os animais em questão se reproduzem. Em nosso litoral encontramos dois tipos do crustáceo: a Panurilus argus (lagosta vermelha) e a Panurilus laevicauda (lagosta verde) e é responsável, segundo fontes do Ministério da Pesca, pelo sustento de 15 mil pescadores em todo o litoral brasileiro. O IBAMA também informou que em 1991, por exemplo, a produção de lagostas era de 11 mil toneladas, e que hoje não supera as 7 mil. E na hora de comprar, régua na mão: a lagosta vermelha deve ter, no mínimo, 13 cm de cauda e a verde 11 cm, o que garante que o animal é adulto e já se reproduziu ao menos uma vez (fonte: IBAMA).
Segundo a sabedoria popular, os meses que não contém a letra R como maio, junho, julho e agosto, período do inverno,são os meses nos quais é recomendável consumir as lagostas e mariscos. Já o mestre da cozinha da casa real de Portugal, Domingos Rodrigues, no século XVII, afirmava que "qualquer marisco fora do seu tempo é menos saboroso e mais danoso. Esta é a razão porque as santolas, sapateiras e ameijoas são melhores no Inverno. As lagostas, camarões, ostras e berbigão no verão, e os mexilhões e caranguejos no Outono; porém devem ser colhido desde a lua cheia até a lua nova."
Referências à lagosta são encontrada na obra do português Frei Luís de Souza sobre a vida do dominicano Frei Bartolomeu dos Mártires (1514 - 1590), bispo de Viana e arcebispo de Braga. Conta-se que o santo recusou-se a comer uma lagosta que lhe fora oferecida no refeitório do Convento de São Domingos de Benfica, na véspera da festa de São João, dia de jejum. Anos mais tarde quando de sua morte, ele continuou a dar provas de sua santidade. Na festa de transladação de seu corpo, frente a 30 mil pessoas, deu-se um milagre. Segundo Frei Luis, as redes dos pescadores se encheram tanto de peixes e, principalmente de lagostas, que os crustáceos foram dados de presente à população, tão grande foi o número deles a ser pescado. Foi beatificado em 2001 pelo Papa João paulo II.
Na foto, caudas de lagosta ao forno com manteiga de ervas e leito de pão integral. Foi o almoço de ontem!
quarta-feira, 2 de maio de 2012
terça-feira, 20 de março de 2012
Literatura & Gastronomia
O livro Para uma história da belle époque: a coleção de cardápios de Olavo Bilac, da historiadora Lúcia Garcia, com prefácio do acadêmico Alberto da Costa e Silva, mentor do projeto, resgata o lado gourmet de Olavo Bilac. Olavo Bilac, mais conhecido como o expoente da poesia parnasiana no Brasil e um dos fundadores da ABL, foi também um grande cronista de seu tempo, entre 1890 e 1910. Frequentou assiduamente os banquetes comemorativos de atos e iniciativas públicas, comuns no fim do século XIX e começo do XX. Passou, então, a colecionar cardápios desses eventos, que possibilitaram à autora Lúcia Garcia uma seleção dos mais significativos, tendo em vista sua contextualização histórica, permitindo ao leitor, com isso, conhecer acontecimentos memoráveis da história do Rio de Janeiro e da belle époque. A coleção revela o requinte e a sofisticação, não somente na elaboração gráfica dos cardápios, como também dos almoços e jantares que reuniam a elite da sociedade carioca da época. Retrata, ainda, um dos aspectos menos conhecidos do poeta: a do jornalista gourmet, do carioca amante da boa mesa, do poeta que se rendia à sociabilidade e à celebração do prazer gastronômico. É sobre esse Bilac, sobre sua coleção de cardápios guardada na ABL desde o começo do século passado, apresentada pela primeira vez em conjunto, de que trata também o livro.
Cardápio de jantar oferecido a bordo do navio Thames, da Royal Mail Steam Packet Company, no qual viajava Olavo Bilac rumo a Buenos Aires
Serviço: R$ 130,00
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Escritores e Cozinheiros (Rubem Alves)

Tenho um sonho que, acho, nunca realizarei: gostaria de ter um restaurante. Mais precisamente: gostaria de ser um cozinheiro. As cozinhas são lugares que me fascinam, mágicos: ali se prepara o prazer. Mas para preparar o prazer, o cozinheiro deve ser psicólogo, um adivinho de desejos, conhecedor dos segredos da alma e do corpo. Mas não sei cozinhar. Acho que é por isso que escrevo. Escrevo como quem cozinha. Minha cabeça é uma cozinha. O cozinheiro cozinha pensando no prazer que sua arte irá causar naquele que come. Eu escrevo pensando no prazer que o meu texto poderá produzir naquele que me lê.
A relação entre cozinhar e escrever tem sido frequentemente reconhecida pelos escritores. É a própria etimologia que revela a origem comum de cozinheiros e escritores. Nas suas origens, sabor e saber são a mesma coisa. O verbo 1atino sapare significa, a um tempo, tanto saber quanto ter sabor. Os mais velhos haverão de se lembrar que, num português que não se fala mais, usava-se dizer de uma comida que ela sabia bem. Saber e experimentar o gosto das coisas: comê-las. O sábio é aquele que conhece não só com os olhos, mas especialmente com a boca. Quem conhece só com os olhos conhece de longe, pois a visão exige distância; muito de perto a gente não vê nada. Quem conhece com a boca conhece de perto, pois só se pode senti gosto daquilo que já está dentro do corpo.
Suspeito que Roland Barthes também tivesse uma secreta inveja dos cozinheiros. Se assim não fosse, como explicar a espantosa revelação com que termina um dos seus mais belos textos, a lição? Confessa que havia chegado para ele o momento do esquecimento de todos os saberes sedimentados pela tradição e que agora o que lhe interessava era "o máximo possível de sabor''. Ele queria escrever como quem cozinha - tomava os cozinheiros como seus mestres. Ele queria ler como quem come uma comida deliciosa.
Mário Quintana também diz do seu sonho de produzir com a escrita, uma coisa que fosse boa de ser comida e trouxesse deleite ao corpo.
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu lhe saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...
A ideia de comer me sugere uma associação deliciosa. Pois comer não se aplica só ao que acontece a mesa. Comer se usa também para descrever o que acontece na cama. Comer e fazer amor. O cozinheiro e o amante são movidos pelo mesmo desejo: o prazer do outro. A diferença está em que o amante oferece o seu próprio corpo para ser comido, como objeto de deleite. O escritor, à semelhança dos amantes, também oferece o seu corpo ao outro, como objeto de prazer. Só que sob a forma de palavra. Cada escritura é uma celebração eucarística: Tomai, comei, isto e o meu corpo...
A leitura tem de ser uma experiência de felicidade. Desejo o prazer do meu leitor. E cada leitor, como o sugeriu Barthes, impõe ao escritor uma condição para seu prazer: "O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja.'' É preciso que as palavras façam amor, como o sugeriu Andre Breton. Por isso que Borges aconselhou aos seus estudantes que eles só deveriam ler os textos que lhes dessem prazer: "Se os textos lhes agradam, ótimo. Caso contrário, não continuem, pois a leitura obrigatória é uma coisa tão absurda quanto a felicidade obrigatória.'' Não se pode comer por obrigação. Não se faz amor por obrigação. Não se pode ler por obrigação.
É este o secreto desejo de cada escritor: o prazer do leitor.
Enquanto viajava liguei o rádio do meu carro e ouvi o anúncio de um curso de leitura dinâmica: a leitura sob o domínio da velocidade. Esta é a última coisa que um escritor pode desejar. Pois o prazer exige tempo. Quem está no prazer não deseja que ele chegue ao fim. Comer depressa, para acabar logo? Fazer amor depressa, para acabar logo? O prazer é preguiçoso. Arrasta-se. Demora. Deseja parar para começar de novo. E depois de terminado, espera pela repetição.
Esta é a razão por que eu gostaria de ser cozinheiro. É mais fácil criar felicidade pela comida que pela palavra... Os pratos de sua especialidade, o cozinheiro os sabe de cor. Já foram testados, provados, gozados. Basta repetir, fazer de novo o que já foi feito. Mas é justamente isto que está proibido ao escritor. O escritor é um cozinheiro que a cada semana tem de inventar um prato novo. Cada semana que começa é uma angústia, representada pelo vazio de três folhas de papel em branco que me comandam: "Escreva aqui uma coisa nova que dê prazer!'' Escrever é um sofrimento. Todo texto prazeroso conta uma mentira. Ele esconde as dores da gestação e do parto. De vez em quando alguém me diz: "Como você escreve fácil!'' Fico feliz. Alguém me confessou o seu prazer no meu texto. Mas sei que esta facilidade só existe para quem lê. O fogo que me queimou ficou na cozinha. Mário Quintana diz que é preciso escrever muitas vezes para que se dê a impressão de que o texto foi escrito pela primeira vez. Sim, para que se dê a impressão... Porque se o sofrimento do escritor aparece, o seu texto terá o gosto de comida queimada.
Por isso que, a cada semana, sinto uma enorme tentação de parar de escrever. Para sofrer menos. Escrever é um cozinhar em que o cozinheiro se queima sempre.
Mas vale a pena ficar queimado pela alegria no rosto de quem come a comida que se fez.
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