domingo, 5 de junho de 2011

Vatapá para Nazareth

Para comemorar o aniversário de Nazareth, o cardápio foi um vatapá.
A maioria das pessoas afirma que a palavra Vatapá é de origem Yorubá, um dos dialetos africanos. Segundo Câmara Cascudo,  grande antropólogo e historiador nordestino , está é uma informação deveras equivocada.
Numa viagem à África, Cascudo descobriu que ninguém sequer sabia o que significava esta palavra, e que alguns dos alimentos que aqui reconhecemos como africanos, lá são reconhecidos como brasileiros. Assim é com o Vatapá, que o antropólogo afirma ser de origem Tupi. Confesso não ter encontrado ainda a referência do significado em Tupi da palavra vatapá, mas dada a semelhança com o nome de outra iguaria Tupi, o Tacacá, não é difícil acreditar no argumento de Cascudo.
Gilberto Freyre, em seu livro "Açúcar" (1936, pág. 489) diz que o prato foi criado a partir de receitas africanas, como o muambo de galinha e quitande de peixe, acrescido a elas iguarias e temperos nacionais.
No livro "Com unhas, dentes & cuca" de Alex Atala e Carlos Dória, sobre cozinha regional, podemos ler: "Aparentemente, nada é mais estável que o vatapá. Ele parece ter vindo da África, do fundo dos tempos e, incólume, resistiu a toda sorte de modernizações. Por isto ele é símbolo gastronômico da Bahia. Ledo engano histórico. O folclorista Câmara Cascudo mostrou como a cozinha baiana é dessas tradições inventadas, fruto da unificação tardia dos cultos afro-brasileiros na segunda metade do século XIX, que, entre outras consequências provocou a homogeneização das "comidas de santo". O vatapá aparece, neste contexto como uma reinterpretação baiana da açorda portuguesa, cuja origem é uma papa de miolo de pão ensopado e temperado que acompanha peixes e frutos do mar. Todas as terras colonizadas pelos portuguese incluindo Goa e Macau, tem uma versão local da açorda ou, se quisermos, de vatapá."



 
A origem do vatapá é controversa: Enquanto alguns antropólogos, como Artur Ramos, defendem que “foi o negro sudanês quem introduziu no Brasil o azeite de coco de dendê (elais guineensis), o camarão seco, a pimenta malagueta, o inhame, as várias folhas para preparo de molhos, condimentos e pratos. E ainda modificou, com seus processos, a cozinha indígena ou portuguesa”.
Na culinária, como em outras manifestações culturais africanas no Brasil, está ocorrendo o fenômeno de torna-viagem.” Assim, de acordo com Câmara Cascudo, o vatapá é brasileiro e foi levado à África pelos escravos libertos que retornaram à terra de origem. O milho usado na receita indicaria a origem indígena do prato.
Brasileiro ou africano, o vatapá é uma peixada em forma de creme ou purê “pedaçudo”. Pode ser feito com fubá, farinha de mandioca ou pão amanhecido. É temperado, oficialmente, com cebola, alho, tomate, coentro e gengibre, além de amendoim e castanha, ambos torrados e moídos. Sem esquecer do azeite de dendê, do camarão seco e do leite de coco, naturalmente.


"Me deixem em paz com meu luto e minha solidão. Não me falem dessas coisas, respeitem meu estado de viúva. Vamos ao fogão: prato de capricho e esmero é o vatapá de peixe (ou de galinha), o mais famoso de toda a culinária da Bahia. Não me digam que sou jovem, sou viúva: morta estou para essas coisas. Vatapá para servir a dez pessoas (e para sobrar como é devido).
Tragam duas cabeças de garoupa fresca. Pode ser de outro peixe, mas não é tão bom. Tomem do sal, do coentro, do alho e da cebola, alguns tomates e o suco de um limão.
Quatro colheres das de sopa, cheias com o melhor azeite doce, tanto serve português como espanhol; ouvi dizer que o grego inda é melhor, não sei. Jamais usei por não encontrá-lo à venda. Se encontrar um noivo, que farei? Alguém que retome meu desejo morto, enterrado no carrego do defunto? Que sabem vocês, meninas, da intimidade das viúvas? Desejo de viúva é desejo de deboche e de pecado, viúva séria não fala nessas coisas, não pensa nessas coisas, não conversa sobre isso. Me deixem em paz, no meu fogão.
Refoguem o peixe nesses temperos todos e o ponha a cozinhar num bocadinho d’água, um bocadinho só, um quase nada. Depois é só coar o molho, deixá-lo à parte, e vamos adiante .
A seguir agreguem leite de coco, o grosso e puro, e finalmente o azeite-de-dendê, duas xícaras bem medidas: flor de dendê, da cor de ouro velho, a cor do vatapá. Deixem cozinhar por longo tempo em fogo baixo; com a colher de pau não parem de mexer, sempre para o mesmo lado: não parem de mexer senão embola o vatapá. Mexam, remexam, vamos, sem parar; até chegar ao ponto justo e exatamente.
Em fogo lento meus sonhos me consomem, não me cabe culpa, sou apenas uma viúva dividida ao meio, de um lado viúva honesta e recatada, de outro viúva debochada, quase histérica, desfeita em chilique e calundu. Esse mando de recato me asfixia, de noite corro as ruas em busca de marido. De marido a quem servir o vatapá doirado e meu cobreado corpo de gengibre e mel.
Chegou o vatapá ao ponto, vejam que beleza! Para servi-lo falta apenas derramar um pouco de azeite-de-dendê por cima, azeite cru. Acompanhado de acaçá o sirvam, e noivos e maridos lamberão os beiços."

AMADO, Jorge. Dona Flor e seus dois maridos. Rio de Janeiro: Record, 1997. p. 231-233






3 comentários:

  1. Muito obrigado digo eu!
    Li o seu livro e agora acompanho também o blog e, devo dizer, é uma associação perfeita e única: cozinha e literatura, duas paixões que eu também cultivo.

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  2. Obrigada por tanta cultura. Parabéns!! O Brasil precisa mais disso.

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